Vida sem violência
Por Pedro J. Bondaczuk
A mulher, nunca é demais enfatizar, é a matriz e a guardiã da vida. É mãe, educadora, companheira, amante, amiga, administradora, conselheira, psicóloga, disciplinadora, médica, economista e tudo isso (e muito mais), simultaneamente. Todos sabem que não se trata de nenhum exagero. Mas daí ao reconhecimento vai uma distância imensa. Não basta a criação de um dia específico do ano, como o 8 de março, para homenagear a mulher. Ela merece, pela importância que tem na vida de todos nós e, por conseqüência, na civilização e evolução dos povos, muito mais do que isso. É digna de permanente, contínua, interminável e cotidiana reverência. Não é, infelizmente, o que ocorre, em pleno século XXI.
Até a sábia natureza compensou, com sobras, a mulher. Mas seu parceiro e teórico aliado, reluta em admitir o óbvio: os seus direitos à parceria, à igualdade de tratamento e jamais à sujeição, seja por qual meio for e, principalmente, pela violência. Para fazer frente à sua relativa menor força muscular, por exemplo, a natureza dotou-a de maior resistência do que o homem. A mulher suporta melhor a dor e vive, em média, cinco anos a mais, mesmo sendo, ao longo da vida, exigida com muito mais intensidade do que seu companheiro. Consegue aliar suavidade e doçura à energia e coragem. É forte, sem perder a ternura. É a fonte da razão, mas adoçada com emoção.
Como admirador e amante incondicional da mulher (fui gerado, nutrido, amparado e educado por uma; sou casado com uma, que é companheira leal e abnegada com quem posso sempre contar para o que der e vier e sou pai de três) estive, estou sempre estarei engajado nessa luta pela igualdade de direitos e de deveres entre os gêneros. Porque ela é justa. Porque ela é lógica. Porque ela é construtiva e, portanto, sumamente necessária.
Vida sem violência, para qualquer pessoa (e, claro, para a mulher também), não é um prêmio, uma dádiva ou um excepcional ato de generosidade de quem quer que seja. Trata-se de inalienável e sagrado direito, que segue sendo, contínua e sistematicamente, violado. E diariamente, em todas as partes do mundo. E, o que é pior, na maior parte das vezes impunemente. Isso precisa acabar, em nome da justiça, da razão, do progresso e da civilização.
A Polícia Federal dos Estados Unidos (FBI) constatou que, naquele país, a cada 18 segundos, uma mulher é espancada por um homem. A situação é tão grave, que levou o então presidente norte-americano, Bill Clinton, em 20 de janeiro de 1995, a citar esse escandaloso dado, e apelar, por conseqüência, à população, para que pusesse fim a esse tipo criminoso de conduta. Ressaltou que se tratava de uma vergonha nacional. E mencionou a questão não em algum pronunciamento informal qualquer, mas no discurso sobre o "Estado da União".
Trata-se de um balanço anual, na abertura dos trabalhos do Congresso, em todos os anos, feito tradicionalmente pelos presidentes norte-americanos, abordando as conquistas e os problemas a resolver desse país. Mas os Estados Unidos não são os únicos a conviver com esse grave desrespeito aos direitos humanos.
Dados da União Européia, por exemplo, dão conta de que a violência doméstica afeta a pelo menos 4 milhões de mulheres na Europa Ocidental. E esses números podem ser, tranqüilamente, multiplicados por dez, já que, por medo ou por vergonha, apenas cerca de 10% das vítimas denunciam as agressões que sofrem.
No Leste europeu, a situação não é muito diferente. Pelo contrário, tende a ser até mais grave. Na Rússia, para se ter uma idéia, dados oficiais, divulgados pelo governo, registraram, apenas em 1994, 15 mil mortes de mulheres, vítimas de maus-tratos dos maridos. Quantas foram as feridas? Nada foi divulgado a respeito. Quantas sofreram lesões leves, simples escoriações, que machucam mais a alma e o amor próprio do que o corpo? Podem ser calculados, sem muito esforço, aos milhões.
Se na maior parte do mundo, as estatísticas sobre espancamento de mulheres são escassas e incompletas, no Brasil há uma profusão delas, o que mostra que essa prática é bastante difundida no País. Claro que uma quantidade ínfima, irrisória dos casos, chega ao conhecimento das autoridades. Isso, pelas mesmas razões da maioria dos países: medo ou vergonha. Por exemplo, a Comissão Parlamentar de Inquérito, instalada no Congresso Nacional em 1992, para investigar a violência contra a mulher, apurou que, no Brasil, a cada 4 minutos, acontece um caso de agressão física contra pessoas do sexo feminino. Todavia, aqui, como em qualquer parte, a impunidade predomina, o que serve de incentivo para o aumento do delito.
Dos 19.284 boletins de ocorrência policial que registraram lesão corporal nas mulheres, no ano de 1994, menos de 5 mil se transformaram em inquéritos. E dos que chegaram ao Judiciário, a esmagadora maioria não deu em nada: ou porque as vítimas retiraram a queixa, ou por decisões desastradas, e logicamente injustas, dos juizes aos quais couberam essas causas.
Para a Organização Mundial de Saúde, a violência doméstica, além de se constituir em crime, é um problema de saúde. A entidade constata que mulheres agredidas constantemente perdem um ano de vida saudável a cada cinco anos. Pesquisa da Organização Mundial de Saúde mostra que uma, em cada três moradoras de cidade de São Paulo, é vítima da violência.
E o que diz a legislação brasileira a respeito? A lei caracteriza o espancamento como crime de lesão corporal, conforme o Artigo 129 do Código Penal. A pena, no entanto, depende da gravidade da ocorrência. Na lesão corporal de natureza leve, ou seja, quando se ofende a integridade corporal e a saúde da vítima, a pena prevista é de até um ano de reclusão. Dificilmente, no entanto, o agressor condenado cumpre essa sentença. Em geral, ela é transformada em multa, que chega a ser risível, de tão irrisória.
Na lesão corporal de natureza grave, quando o agressor causa incapacidade para ocupações usuais por mais de 30 dias na vítima; coloca em perigo sua vida; debilita permanentemente membro, sentido ou função ou acelera parto, a pena é de um a cinco anos de reclusão. E na de natureza gravíssima, a que causa deformidade permanente, aborto, incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função, a pena prevista pelo Código Penal é de dois a oito anos de reclusão.
Pesquisas nacionais, claramente subestimadas, revelam que 23% das mulheres brasileiras são sujeitas à violência doméstica. E sessenta por cento das agressões, no Brasil, são cometidas pelos próprios parceiros das vítimas, maridos ou namorados, o que mostra que o perigo maior nem sempre está nas ruas, mas na maioria das vezes dentro da própria casa.
Repito, pois, o que tenho escrito, há já quatro anos, nesta data e neste espaço, e que, infelizmente, tem caído sistematicamente em ouvidos moucos: “Façamos, em nome do amor que nutrimos por nossas mães, nossas filhas, nossas avós, nossas namoradas, nossas esposas e nossas amigas, de todos os dias do ano, um DIA INTERNACIONAL e interminável DA MULHER!!!”
Tenham uma ótima semana e um bom dia!!!